Friday, April 23, 2010

Coisa

Havia um pequeno pedaço talhado de mim que ficou naquela rocha
Será que as coisas também se sentam?
Eu estava sim pousado
Todas as ruelas ali contavam um conto
mas eu ficara pela beira mar
onde até as palavras doces são penedos em escarpa
cortando os braços de quem tenta sair do sítio
afogando histórias, mudando os dias e os nomes

O verde musgo contrastava com o breu calhau
apenas a dezenas de metros de uma encosta habitada
janelinha atrás de janela,
como se da nossa vida para fora
apenas tivéssemos um pequeno feixe de luz
vendo para além, ninguém olhando para dentro

Rodeando as rochas, pequenos barcos brancos de sonhos
desejos flutuantes cuja distância varia consoante o vento
que cantam, chamam, num exercício de tortura
Há festas nesses barcos que não se sabe o que têm
onde sombras festejam a noite, escondidas
Há copos espalhados pelo chão,
beatas que se vão apagando, que assim o estão há anos

No topo da vila estende-se o castelo
nele vivem aqueles que há anos temeram o mar
esculpindo uma vida longe das ondas de inverno
onde o azul brilhante também não chega,
aí cultivam as pautas rasteiras que fazem da vida
seguros a atrasar o aniversário de um fim qualquer

Cá de baixo tudo parece pior do que o que fica no topo,
sem saber que o não saber ser melhor é a coisa mais característica em ser coisa