É no promontório da dúvida que já se encontrava sentado vendo panfletos de outras histórias a esvoaçar desde o início do tempo das palavras seladas
É sob as ondas que se vai flutuando em afaste ...vendo a multidão de um só eu, só agora chegando ao velho rochedo e estendendo a mão, esbracejando adeus
Havia um pequeno pedaço talhado de mim que ficou naquela rocha Será que as coisas também se sentam? Eu estava sim pousado Todas as ruelas ali contavam um conto mas eu ficara pela beira mar onde até as palavras doces são penedos em escarpa cortando os braços de quem tenta sair do sítio afogando histórias, mudando os dias e os nomes
O verde musgo contrastava com o breu calhau apenas a dezenas de metros de uma encosta habitada janelinha atrás de janela, como se da nossa vida para fora apenas tivéssemos um pequeno feixe de luz vendo para além, ninguém olhando para dentro
Rodeando as rochas, pequenos barcos brancos de sonhos desejos flutuantes cuja distância varia consoante o vento que cantam, chamam, num exercício de tortura Há festas nesses barcos que não se sabe o que têm onde sombras festejam a noite, escondidas Há copos espalhados pelo chão, beatas que se vão apagando, que assim o estão há anos
No topo da vila estende-se o castelo nele vivem aqueles que há anos temeram o mar esculpindo uma vida longe das ondas de inverno onde o azul brilhante também não chega, aí cultivam as pautas rasteiras que fazem da vida seguros a atrasar o aniversário de um fim qualquer
Cá de baixo tudo parece pior do que o que fica no topo, sem saber que o não saber ser melhor é a coisa mais característica em ser coisa
O longo pontão dos contos de infância, lá estava ele, no mesmo sítio onde nascera. Os velhos diziam que, se nos sentássemos no seu único banco tempo suficiente, podíamos ver o mar a piscar-nos os olhos. Levaste-me lá naquele dia sem saberes o que significava para mim. Senti que não precisava mais do olhar do mar porque estavas lá. Não encontrei o pontão no último sábado, sozinho. Aquele nevoeiro que tudo escondia... Amanhã gostava de lá ir. Sei que se nos perdermos juntos, encontramo-lo.
No número 25 há um gato, bigodes preso no seu espaço, sem chave para a sóbria porta, porta velha de castanho, cor dos dias do mês que corre.
Na rua esguia há um banco, banco de todo o tamanho vazio, virado para dentro da loja antiga, contando os anos para trás, fazendo dos olhos seu único fazer.
Atrás do jardim desenha-se uma janela, de quatro em quatro rectângulos espelhados, de traço claro mas escondido traçado, onde há conversas que não existem, onde peixes voam em direcção cega.
No antigo átrio deslizam murmúrios, veste-se a pele da tranquilidade educada, dá-se passos num diálogo fantasma, esgueira-se por entre a imagem d'Ele, à volta da fonte de esquecimento envenenado.
No fundo do copo sentado ao dia, enrolam-se palavras que saem repetidas, de sim-sim e não-não casual, minutos que chamam nomes que se apagam, de memórias tão memórias que se questiona o seu ser, em cíclica novidade daquilo que não sai dali.
No ponteiro do relógio vejo que é tarde, mas a ampulheta que comprei, diz que o hoje ainda se poderá deitar com amanhã. Enquanto se observam grãos a subir as escadas.
- Hoje há cinzento. - Sim, sim... Sim! - Porque viemos correr? Olha só o mar. - Por isso mesmo e, se tivermos sorte, ainda uma onda nos apanha. - Com este vento... Parece que estão a lavar o mundo e a deixá-lo escoar para o mar. - Que coisa. - Sim, se não consegues limpar as ideias, esconde-as, em água. Debaixo do azul, ninguém vê se és feio. - Mas não és. - O ser esquece-se em 5 minutos e muda consoante a vontade. Assim que piscares os olhos vais esquecer-te do meu nome. - Parvo. Sei como te chamas. - É sinal que ainda tenho uns segundos até não te lembrares mais.